Katai e Sansão: orangotangos em cativeiro no Brasil
postado em 24 abr 2024
Legenda: Katai e Sansão

A orangotango Katai é a única residente da espécie em um santuário no Brasil. Ela nasceu em fevereiro de 1985 em um zoológico na Alemanha e é híbrida Sumatra/Bornéu. Nunca conheceu outra vida a não ser o cativeiro e ainda teve o azar de perder o seu companheiro no zoo alemão.

Quando tinha 25 anos, em 2010, finalmente foi possível negociar sua transferência para o Santuário de Grandes Primatas do Paraná, onde ela vive muito bem até hoje. A única coisa que falta é um companheiro, e relocar um orangotango que vá usufruir de melhores condições de vida no santuário seria uma solução perfeita para ambos os animais.

Aí entra a história do orangontago Sansão, que desde 2017 vive sozinho no zoológico de São Paulo. Em agosto de 2020, uma ação judicial protocolada pela ONG “Os animais importam” pede a transferência de Sansão para o santuário afiliado ao GAP, que continua de portas abertas para receber Sansão e se empenhar em sua integração com Katai, após período de quarentena e adaptação e seguindo todos os protocolos técnicos necessários.

Infelizmente, o processo está caminhando a passos bem lentos no Tribunal de Justiça de São Paulo, e ativistas cobram da Justiça o porquê de tanta demora. O último movimento processual foi em outubro de 2023, quando o Ministério Público de São Paulo emitiu um parecer solicitando provas periciais das condições de bem-estar de Sansão – mesmo que o processo já exponha sua situação e justifique sua transferência para o santuário.

Um pouco da história de Katai e de Sansão

Em 2007, Sansão foi doado à Fundação Parque Zoológico de São Paulo, pelo Zoológico da Maia, cidade da área metropolitana do Porto, em Portugal.  Não se conhece muito sobre as circunstâncias da doação, mas consultando publicações oficiais do zoológico, estima-se que em 2024 Sansão esteja completando 40 anos – praticamente a mesma idade de Katai.

De acordo com o processo, a partir de informações de vídeos encontrados na internet recentemente, e também com base no plantel de animais divulgado nos canais oficiais do zoológico, Sansão vivia em um recinto em companhia de Shinta, uma orangotango fêmea que em 2017 tinha 23 anos, e de Julia, uma fêmea gibão-de-mão-branca, então com 11 anos. 

Ainda segundo consta no processo, desde 2017 é dado como incerto o paradeiro de Shinta e de Júlia, uma vez que já não são mais observadas no recinto de Sansão e também não há informações nas publicações oficiais do zoológico. Fato é que Sansão se encontra sozinho e isolado pelo mesmos há 7 anos em seu recinto.

Sobre Katai, sabe-se que nasceu em um zoológico na Alemanha em 1985, mas não há informações mais detalhadas da localização deste zoo e de outras circunstâncias de sua situação de cativeiro. Sabe-se que quando já estava adulta, e se encontrava sozinha no zoo alemão, foi negociada sua transferência para o zoológico de Brasília, onde ela passou um período antes de ser finalmente rebocada, no ano de 2010, para o Santuário do Paraná.

Quando chegou ao Santuário, Katai parecia muito assustada e desconfiada. A limpeza do seu recinto era praticamente impossível, porque ela se recusava a entrar na área de manejo. Percebia-se que tinha fobia de ficar fechada num ambiente restrito. Um trauma que parecia ser irreversível na época. 

Com muita paciência e dedicação, Katai foi aprendendo a confiar em seus cuidadores. Hoje ela esbanja segurança, caminhando em seu recinto e interagindo com seus vizinhos macacos-aranhas. Entra tranquilamente no seu quarto para que os tratadores possam limpar seu recinto externo com segurança. Além disso, técnicas de enriquecimento foram instituídas visando afastar a monotonia do cativeiro e estimular sua locomoção.

Por que Sansão deve ser transferido e integrado com Katai

A começar porque ambos hoje vivem sozinhos e vão se beneficiar muito da companhia um do outro, uma vez que já tiveram a oportunidade de viver com outros de sua espécie. Ou seja, os dois juntos terão uma qualidade de vida muito melhor em cativeiro.

Além disso, no santuário, Sansão será poupado da rotina de visitação imposta no zoológico, que impõe restrições de acesso a áreas abertas dependendo do horário e expõe o animal a situações desconfortáveis pelo fato de ficar exibido como se fosse um produto.

O recinto do Instituto Anami onde vive Katai e para o qual Sansão seria destinado difere de forma substancial do recinto no zoo de São Paulo. Ele foi construído especificamente para espécie orangotango. 

São 352 metros quadrados de área externa, com 12 metros de altura totalmente cobertos, haja vista que esses animais na natureza têm o hábito de viver a maior parte do tempo na copa de árvores. Para replicar esta sensação, são 3 andares de plataforma de madeira ligadas entre si e com acesso por meio de 2 escadas também de madeira, estrutura inexistente no zoo de São Paulo. 

Conta-se ainda com duas árvores e várias cordas para brincadeiras e enriquecimento do ambiente. O revestimento externo é todo cercado por grades resistentes de ferro que permitem sua interação visual e vocal com o ambiente externo, dispondo de placas modulares de metal que podem ser colocadas e retiradas para amenizar o frio em épocas do ano com temperaturas mais baixas. O chão da área externa é parte gramado e parte de areia, contando ainda com uma piscina. 

Além da parte externa, existe ainda à disposição um quarto para descanso. O resultado é que depois de 14 anos, Katai interage com todos os elementos e estruturas do recinto e não apresenta comportamentos estereotipados indicativos de estresse. Por outro lado, Sansão apresenta comportamentos estereotipados recorrentes, que são interpretados pela literatura científica como substancial indicativo de estresse. 

Mas orangotangos não são seres solitários?

Na verdade, orangotangos em vida livre são descritos como animais semi-solitários. Eles passam a maior parte do seu tempo sozinhos, tendo encontros ocasionais com outros indivíduos por conta de exploração de fontes de alimentos e de fins reprodutivos. As fêmeas acompanham seus filhotes, em média, nos 7 primeiros anos de vida.

Ainda que os orangotangos na natureza mantenham uma distância social, em termos de interações físicas, de forma alguma esta se configura em um isolamento total dos indivíduos. Em condições naturais, o orangotango mantém, por exemplo, constante comunicação vocal, permitindo certa coordenação espacial, com controle permanente da posição dos indivíduos. 

Vale também destacar um recente caso de sucesso de integração e melhoria de bem-estar de dois orangotangos em cativeiro: Sandra e Jethro, no Santuário Center for Great Apes, nos Estados Unidos.

Após uma ação judicial inédita na época, na qual Sandra foi considerada como pessoa não-humana e sujeito de direito, a Justiça na Argentina determinou seu resgate do zoológico de Buenos Aires, onde vivia há muitos anos sozinha em uma jaula de cimento. 

Em 2019, Sandra foi transferida para o santuário norte-americano, onde passou por um processo de ressocialização. Após alguns meses de sua chegada, deu-se o contato físico com o orangotango Jethro, residente mais antigo do lugar. Sandra agora segue Jethro pelas trilhas aéreas, senta e brinca bem ao lado dele, faz seu ninho perto dele à noite e costuma girar em sua frente para chamar sua atenção e flertar. 

Por Jaqueline B. Ramos

Processo na íntegra

Abaixo-assinado: https://www.change.org/p/parque-zoológico-de-são-paulo-liberdade-para-o-orangotango-sansão?signed=true

Matéria sobre o processo para a transferência de Sansão na TV Record – 

https://youtu.be/tPwSdg07kgU?si=Z4MBtvKSNFQslEKJ