Chimpanzés e bonobos se lembram de indivíduos que conheceram décadas anteriores, aponta novo estudo sobre capacidade de memória dos animais
postado em 21 dez 2023
Legenda: Oscar MUGISHA/Pexels

Em 2015, enquanto trabalhava como pesquisadora de graduação no zoológico da Carolina do Norte (EUA), Laura Lewis virou amiga de um chimpanzé chamado Kendall. Sempre que ela visitava os chimpanzés, Kendall pegava suas mãos com cuidado e inspecionava suas unhas.

Depois, ela desapareceu durante o verão para estudar babuínos na África. Quando retornou à Carolina do Norte, ela se perguntou se Kendall ainda se lembraria de seu rosto. Assim que ela entrou em seu recinto, Kendall correu e fez um gesto para que ela olhasse suas mãos.

”A sensação que tive foi a de que ele se lembrava claramente de mim após quatro meses de ausência”, disse Laura Lewis, que agora é psicóloga comparativa na Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Mas eu não tinha os dados para provar isso.”

Agora ela acredita que conseguiu essas evidências científicas. Em estudo publicado neste mês, ela e seus colegas demonstraram que chimpanzés e bonobos podem se lembrar de rostos de outros macacos que não viram por anos. Um bonobo reconheceu um rosto depois de 26 anos – um recorde de memória facial além da nossa espécie.

Lewis e seus colegas realizaram o estudo com 26 macacos mantidos no Zoológico de Edimburgo, na Escócia, no Santuário de Kumamoto, no Japão, e no Zoológico de Planckendael, na Bélgica.

Em cada instalação, os pesquisadores colocaram um computador na cerca do recinto dos macacos e exibiram imagens dos animais no monitor. Um canudo preso à cerca permitia que os macacos bebessem suco enquanto olhavam as fotos.

Depois de dar aos macacos alguns meses para se aclimatarem à configuração incomum, Lewis e seus colegas começaram o experimento. Enquanto os animais tomavam o suco, o computador exibia pares de rostos de macacos por três segundos de cada vez. Em cada par, um dos rostos era de um estranho e o outro de um antigo companheiro que o macaco não via há anos.

Os cientistas usaram uma câmera infravermelha para filmar os movimentos dos olhos dos animais. Se os macacos não se lembrassem de seus antigos companheiros, os cientistas esperavam que eles passassem o mesmo tempo olhando para as duas imagens.

Mas não foi isso que os pesquisadores encontraram. Os macacos sempre passavam mais tempo olhando para seus antigos companheiros. (O parentesco não influenciou os resultados, pois conhecidos anteriores não relacionados também receberam mais atenção do que estranhos).

Uma bonobo de 46 anos chamada Louise, do Santuário de Kumamoto, demonstrou ter as memórias mais antigas. Até 1992, ela viveu no Zoológico de San Diego com sua irmã e seu sobrinho. Depois, mudou-se para o Zoológico de Cincinnati antes de ir para o Santuário de Kumamoto em 2014.

Em 2019, Lewis e seus colegas descobriram que Louise olhava mais para os rostos de seus parentes dos quais ela havia se afastado há muito tempo do que para os rostos de macacos que ela nunca havia conhecido, mesmo depois de ficar separada por mais de 26 anos.

Lewis advertiu que o rastreamento dos movimentos dos olhos oferece apenas um vislumbre limitado da mente dos macacos. “Não podemos caracterizar totalmente como são suas memórias”, disse ela.

Mas os pesquisadores encontraram uma pista tentadora que sugere que as boas lembranças podem permanecer fortes com o passar dos anos. Os macacos passaram um pouco mais de tempo olhando para os rostos dos animais com os quais tiveram experiências positivas, de acordo com as avaliações enviadas pelos tratadores do zoológico.

Lewis especula que os macacos podem se beneficiar dessas memórias duradouras. Uma fêmea de bonobo, por exemplo, normalmente deixa o grupo de sua mãe para se juntar a outro grupo pelo resto de sua vida. Se os dois grupos se encontrarem anos depois, ela poderá formar uma aliança com velhos conhecidos.

O experimento não coloca um limite na duração das memórias dos animais. É possível que eles se lembrem dos rostos por tanto tempo quanto nós. Em um estudo, psicólogos pediram a voluntários que citassem o nome de pessoas em fotos de seus anuários do ensino médio. Suas memórias começaram a declinar após 15 anos, mas alguns voluntários ainda conseguiam nomear corretamente os colegas de classe 48 anos após a formatura.

É difícil dizer quantas outras espécies têm essas memórias de longa duração. Jason Bruck, da Stephen F. Austin State University em Nacogdoches, Texas, descobriu que os golfinhos podem reconhecer os chamados de outros golfinhos que não ouvem há mais de 20 anos.

Bruck suspeita que outros animais de vida longa que vivem em grupos também apresentarão memórias impressionantes – se os cientistas tiverem a oportunidade de testá-las. “Acho que todos esses animais terão memórias para toda a vida”, disse ele.

Lewis observou que os chimpanzés, bonobos e humanos compartilham um ancestral comum que viveu há cerca de 7 milhões de anos. Os primeiros seres humanos podem ter se baseado nas memórias de longo prazo observadas nos macacos à medida que suas sociedades se tornaram mais complexas.

“Em nossa evolução humana, enfrentamos ambientes em que vivemos socialmente, mas não estamos sempre perto uns dos outros, e as populações estão cada vez mais dispersas”, disse ela.

Clive Gamble, arqueólogo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, que não participou do novo estudo, concordou com essa interpretação. A evolução da linguagem pode ter fortalecido memórias sociais duradouras, pois as pessoas contavam histórias sobre conhecidos que não viam há anos. “Simplesmente usamos nossa ancestralidade comum e aumentamos o volume”, disse Gamble.

Fonte: https://www.estadao.com.br/ciencia/quanto-tempo-dura-a-memoria-do-chimpanze-e-que-pistas-isso-da-sobre-a-memoria-humana/